terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Caixa postal

Quando liguei agora foi para que o recado na caixa de mensagens do celular fosse ouvido só depois de semanas, meses, sei lá quanto tempo fosse preciso, ela nunca está para mim. Não deve ouvir o recado, quem é que ouve recados? Quando ligava antes e dizia alguma bobagem, e o que vai fazer, mas eu liguei demais. Às vezes cogito hipóteses, e eu sei que liguei demais, mas, bem, ao certo, nunca se sabe, e é difícil quando se é arrogante, quando se sou eu. O que finjo que sou não difere tanto do que é aquilo que acabo sendo quando me entrego aos pequenos detalhes, àqueles em que eu sei que ligo demais, mas na superfície penso não ter problema, eu finjo não ter problema, ela queria que eu ligasse, não queria? É isso sim, não é? Tentando se convencer de que é verdade. Mas quando eu liguei depois de uns dias, e o telefone não atendeu, e eu deixei a primeira mensagem, a primeira mensagem na caixa de mensagens para que fosse ouvida só daqui a semanas, ou meses, tanto faz, eu estava um pouco resfriado, acho que foi no natal. Posso ser um cara legal, eu posso sim, mas eu continuava ligando demais. Quando eu liguei para ela e ela não atendeu o telefone, pela segunda vez. Eu devo ter deixado outra mensagem só no carnaval. Isso foi depois da terceira, quarta, quinta, e lá se vai a minha memória de quando ela parou de me atender. A segunda mensagem foi algo como, Me liga quando puder, estou com saudades, quero te ver. Na semana seguinte, na aula, tudo como sempre. Oi, como vai? Sorriso. Tenho que ir. Tchau. E mais uma mensagem. É acho que essa foi a terceira. Ah, sim, a primeira, não tinha dito, To ligando pra dizer que estou com sua carteira, você esqueceu na sala, depois fala comigo, e no dia seguinte, eu falei na aula, Ei, tonta, esqueceu sua carteira aqui ontem, nem veio pedir de volta. Mas o terceiro recado, sim no terceiro recado, quando ela já não atendia a mais nenhuma ligação, talvez por isso mesmo eu tenha dito, sim, foi por isso que acabei dizendo Eu te amo, meio rápido, lembrou de quando tinha 11 anos e ligava para Beatriz que sentava na minha frente durante as aulas e eu puxava o cabelo dela, e todo esse lugar comum que é uma criança no telefone ouvindo a voz, só ouvindo, sem coragem para dizer nada, Alô? Alô? Quem está aí? Eu sei que tem alguém na linha, eu to ouvindo sua respiração. Clackt. Mas agora já era grande, grande demais, para essas coisas… Acho que foi por isso que ela não me respondeu.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ao seu lado(essa música me lembra a ba.)

Eu sempre estarei ao seu lado embora voce esteja na pior.Eu sempre estarei ao seu lado mesmo quando voce estiver na pior. Eu quero ser a sua esposa.Tudo o que eu queria era ser sua esposa. Eu passarei suas roupas,engraxarei seus sapatos, arrumarei sua cama, cozinharei sua comida, nunca vou ser filha da puta.

Serei a melhor garota que voce já encontrou e por um anel de diamantes eu farei essa especie de coisas, eu esfregarei seu chão,nunca sou chata.

Eu te aconchegarei,eu não ronco,eu posso usar sua mascara de dormir,asso pra voce tortas de maçã, eu não pergunto nada e tento não chorar.

E quando é quase meia noite e tudo que quero na minha vida é ser uma dona de casa, é ser sua esposa. Porque é quase meia noite e tudo o quero na minha vida é morrer como uma esposa. É morrer como uma esposa.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Fabricio´s Hairstylist

Cacildes, o poder da linguagem é um negócio incrível mesmo.

ônibus passando pela R. das Laranjeiras. Olho pro lado e vejo um pequeno sobrado diante do qual pende um cartaz básico, preto-no-branco. Uma coisa que emite ago entre simplicidade, bom gosto, contemporaneidade. Aquela coisa. Pós-modernidade. Enfim.

No cartaz diz: Fabricio´s Hairstylist. Agende um horário. 2000-0000.

Aí penso comigo: "humm, quando eu quiser cortar, podia ir aí".

Depois penso: "mas peraí! Por que aí? NUNCA ouvi falar nesse lugar. Não sei se é bom, bonito ou barato.

Por que eu pensei nisso? O cartaz era clean, mas tem mil cartazes clean com fontes redondinhas. E o nome do lugar não tem nada de chamativo.

Aaaah, aí matei a charada! AGENDE UM HORÁRIO. Essa é a frase mágica.

Específica e isoladamente, essa frase tem pouco impacto. pero, porém, contudo, em um cartaz básico e clean, o isolamento dessa frase dá vários recados. Primeiro: fabrício é concorrido; agende. Segundo: Fabrício é organizado; agende. terceiro: Fabrício é confiante; não tem necessidade de fazer alarde sobre preço ou mesmo qualidade; Fabrício se garante; agende.

Fabrício é um espertão hein. Ratão ele. Quase me pegou. QUASE, malandro. Hahah. Vai demorar pra me tirar da Marli; vinte reais por puro estilo.

W Brasil, vocês tão dando mole. Contratem o Fabrício - ou quem quer que tenha sido o raposão que fez o cartaz dele.

sábado, 15 de novembro de 2008

Cronopios apaixonados

Ele disse que se apaixonou por mim, eu que estava apaixonado por ela, ela que estava por ele, e o ciclo se fechou assim, com tres pessoas solitarias trancadas num apartamento, que para sair para rua precisavamos da chave da porta de casa.

(teclado ruim)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O mundo é cheio de gente

e dentro de cada gente, há um microcosmos, e dentro de cada microcosmos, um macrocosmos, e assim vai indo, irradiando, ad aeternum e ad infinitum e ad batatum e ad pepinum. Eu queria conhecer todos vocês porque não acredito, de modo algum, na superficialidade - nem no profundo. Na verdade, acho que tem apenas o visível e o escondido, mas o escondido toma tempo, muito tempo, e quem tem tempo, quem tem, quem.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Pecados capitais

Entrar para uma faculdade é o início da morte do lúdico. O início da idéia de que se “tem que” alguma coisa. De que preciso produzir e utilizar meu tempo produtivamente. Perdemos o direito ao ócio e o ócio traz culpa, como se fosse um privilégio pequeno-burguês que não deveríamos estar usufruindo já que nossos pais trabalham, já que as domésticas trabalham, já que as professoras e professores das redes municipais fedidas e despengueladas trabalham, já que os operários e ambulantes e camelôs trabalham. Se divertir, agora, é o crime último, e se prepare, vai ser assim para sempre.
Porque somos católicos.
Porque somos trabalhadores.
Porque somos latinos e bebemos desse ímpeto voraz de trabalhar com os braços e as pernas, quando tudo o que eu queria, palavra, era ir à praia em plena quarta-feira.
Mas esse querer é feio, e o fazer é pecado.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ai que rombo no estômago!
É o sussúdio?

domingo, 31 de agosto de 2008

Vaso Sanitário e Cama(sono)

Primeiro a legenda colorida, dificuldade essa de deitar de óculos, os dois beijinhos de óculos também, uma haste na outra, bate e dói, logo após ir ao banheiro. Eu me apaixono pela menina que escreve mais lindo do mundo, passo por cima do resto e me jogo de cabeça, me apaixono. Diarreia, e fico só nessa palavra, sim, me recrimino nas minhas intenções descritivas, me recrimino ao mesmo tempo que dói e não para. Uma vez a menina que escrevia mais lindo do mundo tripudiou das minhas escatologias, sinto até hoje, dolorindo a barriga e o corpo tremendo em calafrio enquanto sai. Igual a diarreia. Disse que era uma criança babona e adorava escatologia. Nem escreve mais lindo do mundo mais, nem era mesmo o amor da minha vida. Eu sou uma criança babona cocô-xixi-meleca. Ela disse cocô-xixi-meleca. Acho que foi por isso que me deixei afetar. A diarreia alivia e o quarto, tão mais fácil escrever assim. Sentei comigo e lembrei do que li a pouco. A menina que escreve mais lindo desse mundo. E ela agora têm 1,68. É da minha altura praticamente. Os filhos serão vesgos. Os cachorros asmáticos. A casa toda , toda, toda. É assim que são realmente os pensamentos sobre o futuro, sobre querer um futuro e se apaixonar. A maga morreu em paris... Amélie Poulain era só uma personagem. Agora eu fico calado. De olho arregalado, tentando deitar de lado, os óculos atrapalham, o melhor seria tirá-los e ir dormir.

sábado, 9 de agosto de 2008

General Bruce

Escuta, moço, não sei onde moro. Meus pais chamam Carlos e Josefina e tenho irmãos que não olham para mim e não sei o caminho de casa. Se você quiser, eu fico com você, até eu lembrar meu endereço. Sei fritar ovo, fazer suco de morango com leite batido no liquidificador. Dobro roupa, passo, varro. Recorto imagem de jornal, tomo banho todo dia, ando na rua sem pisar nas rachaduras da calçada para não causar terremoto, falo com meu reflexo no espelho, pinço a sobrancelha.

Acordo cedo fim-de-semana e faço história na cabeça, deitada na cama. Me faço amiga do teto. Compro bala na rua e divido com as pessoas. Uso vestido florido mesmo que o dia estiver chuvoso.

Ai, xô ver que mais.

Escrevo carta pruns parentes em Juazeiro. Faço desenho, desenho árvore, flor, cavalo. Sou aquariana. Não sei direito o que isso quer dizer, mas a moça da loja de Umbanda me falou, e eu levo ela muito a sério. Sei dar ponto em rasgo, costuro botão. Eu posso costurar os botões da sua camisa, posso requentar o almoço quando for de noite e você estiver com fome. Trabalho quantas horas for preciso, pela paga que for. Trabalho por tédio, por amor, por sermão, qualquer moeda tá me servindo.

Dou cabo dos teus inimigos e te arranjo amigos. Te faço cafuné e arranjo vagabunda na rua para você. Mulher séria eu não posso garantir, porque eu também não sou milagreira. Arranjo mulher na Lapa, na Glória, ali perto do zoológico. Lá em São Cristóvão, não é longe, de metrô eu chego rapidinho.

O metrô é ali, é a algumas quadras de rua onde eu moro, a General Bruce.

Lembrei moço! General Bruce! Ali tem meu apartamento descascado, Carlos, Josefina e meus irmãos. Ah, fica pra próxima, então. Mas olha, eu tenho uma colega que nem do nome lembra. Biscoito fino, essa, sabe de tudo.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Conselhos de quem não sabe de nada

Então, a parada que eu ando concluindo como sendo importantíssima para a vida é:

NÃO SE RENDA A SI MESMO.

É, você sabe.Você quer ficar três dias sem sair de casa, no orkut. Você quer ficar gordo. Você quer... sei lá.

Entrar debaixo da cama, com suas emoções sem eira nem beira, e dormir eternamente, comendo tangerinas. Tangerina atrás de tangerina. Ai, qual era mesmo o nome dessa emoção, que me acomete, louca de vez em quando? Tinha bolado um n ome...

...Mas me escapa.

Ah, sim! Acidez desfiada! Ou ansiedade semi-chorosa.

Sentido não é pré-existente, podendo apenas ser criado. Através de QUALQUER coisa, contanto que a seringa esteja munida com sua dose de paixão para nos despertar. Não importa que seja artificial, porque o artifical é natural - tudo que existe, existe. O melhor que se faz é criar um sentido qualquer aí.

Tô no caminho. Tipo assim, se considerarmos o iníci do caminho aqui e o fim do caminho em algum lugar nos entornos de Plutão.

Não fique gordo e saia do orkut.



*repetir mantricamente para si mesmo todo dia de manhã*

terça-feira, 22 de julho de 2008

A Parede (I)

A parede era roxa, concreta, alta, real, real, real, E me olhava, sem olhos. Me olhava concreto, concretamente.

- Pai?

- Ã?

- O que essa parede está fazendo aqui?

- Não sei. Pergunta pra sua mãe, ela que deve ter mandado botar.

Bati uma, duas vezes na parede. Bati uma terceira. Nada. Aliás, tudo: ela continuava ali, dividindo meu quarto ao meio, exceto por uma abertura retangular de um metro e pouco de altura e não mais do que um de largura. Soberana, me dizendo no seu silêncio sonoro:

- Oi. Eu não vou a lugar algum.

- Marilene!

- Oi menina, que foi, que susto!

- Quê que essa parede está fazendo aqui?

- Ih, menina, não sei. Seu pai não mandou colocar?

- Ele falou que deve ter sido minha mãe.

- Então. Pergunta pra ela. Daqui a pouco ela deve estar chegando.

- Ela foi ao supermercado?

- Ta na sua tia.

Não, mamãe respondeu pelo celular, ela não havia colocado parede alguma no meu quarto. Agora meu espaço estava dividido, e minha primeira dúvida foi: mando derrubar?

Prós: Sujaria tudo. Eu poderia estar destruindo algo importante. A parede poderia ter algo a me dizer. Eu poderia ter algo a dizer pra à parede? Eu poderia alugar a subdivisão do quarto a algum recém-divorciado procurando por uma experiência exótica – ainda que essa última possibilidade pudesse ser a de mais difícil aceitação pelo restante da casa.

Contras: Manter a parede seria o mesmo que manter um bicho de origem desconhecida que surgisse repentinamente em minha casa. A parede não responde às minhas perguntas. Alguém muito magro podia estar vivendo dentro dela.

Eu nunca havia experimentado uma indecisão como aquela. Mais do que vou-não-vou, era um congelamento.

A solução era ignorar a parede e esperar que a resposta viesse. Eram oito e meia da manhã. Eu ia chegar no terceiro tempo, se corresse e saísse de casa despenteada. Era melhor fazer isso mesmo. Não podia ficar em casa a sós com aquela parede. Essas paredes, sorrateiras e quietinhas, têm uma incrível capacidade de impor sua presença e falar, muitas línguas, todas elas.

- Maraá! Maraá!

Estela falava babando; mesmo com os anos de uso, tinha se adaptado mal e porcamente ao seu aparelho fixo. Desde a segunda série do Ensino Fundamental, isso. Por que eu virara sua amiga, exatamente? Acho que todas as outras crianças, mais divertidas e lustrosas, me intimidavam com sua espontaneidade e aparente falta de medo. Arroubos pela sala de aula, explosões nos intervalos. Fui então escolher uma amiga que não me apresentasse ameaça. Que, como eu, tivesse medo. Quem mais, se não a menina babona. Agora evoluída. De rios de saliva, Estela chegara a parcos perdigotos.

Isso, é lógico, é uma racionalização posterior. Satisfez meu psicólogo. Não faço meia idéia do que pensei na segunda série. Vai ver me sentei ao seu lado porque o menino hiperativo, com déficit de atenção e estrabismo resolveu naquele dia sentar-se na carteira que fora minha no ano anterior. Ou vai ver nada.

- Maraá, você conseguiu imprimir nosso trabalho?

Tirei o trabalho da minha pasta e vi o corpo de Estela descontrair-se todo. Ela até que era bonita, a Estela. Falava babando, mais jamais trairia um amigo pelas costas. Era uma daquelas pessoas, sabe. Que são mais por dentro do que por fora.

Aqui o mundo fluía, rotineiro, como no dia anterior e anterior. Na frente da sala, um homem falava, cansado de guerra, os olhos opacos. Lá atrás um rebuliço de vozes cochichava, julgando-se imperceptíveis. À frente, alguns poucos sofredores, o amortemor aos pais e as horas livres de cada dia impelindo-os mais e mais para frente, até quase comprimirem o magro mestre contra a parede com suas carteiras assoladoras.

Lá em casa, uma parede. Pura e simplesmente, roxa, no meio do quarto. Que nada mudava no fluxo dos dias, aparentemente. O sinal tocou, o recreio esvaziou a sala.

- Professor, eu tenho uma dúvida.

- Sim?

- Apareceu uma parede roxa. No meio do meu quarto.

- Uma parede?

- Roxa. No meio do meu quarto. O que você acha disso?

- Mas apareceu como?

- Apareceu do nada, no meio do meu quarto.

- Exatamente no meio?

- Olha, eu não medi. Mas olhando assim, por alto, parece estar dividindo ele ao meio sim.

- E tem porta?

- Tem. Pequena, como se fosse de um anão. Mas dá para passar agachado.

O professor suspirou, coçou o queixo. Limpou os óculos. Mordeu o lábio inferior. Olhou para o nada, olhou para baixo. Olhou para mim.

- Honestamente, Maraá, eu não sei. Me parece bem confuso isso. Mas olha pelo lado positivo: pelo menos ela tem dois lados. Dá para você ter dois quartos. Você pode até tentar ser duas pessoas.

- Eu não acho que dois quartos fazem de mim duas pessoas.

- Mas podem fazer alguma diferença.

- Acho que eu estou satisfeita sendo só uma pessoa.

- Ah é? Que bom. Que bom mesmo. Eu não estou não, sabe. Deve ser porque ensinar um monte de merda prum bando de merdinhas tirou toda a minha energia vital, e eu mal sou uma pessoa só.

Outra parede, que eu não esperava, dividiu meu espaço ao meio. Não sabia de onde a parede tinha vindo, mas já pude notar que ela tinha como conseqüência me manter acordada.

domingo, 20 de julho de 2008

- Por que essa seriedade?

Imagine um... planeta. Em que nasce uma árvore de jujubas falantes, com pés na cabeças e granadas na mão.

O que não tem nexo, o que não tem lei. Ele, O Coringa, é isso, extrapolado, potencializado, virado ao avesso e desvirado. Seus maiores medos, sejam quais for, tem a cara dele, porque o Medo é sempre uma quebra da rotina. Seus planos e crenças só tem valor até que alguém aperte um botão vermelho, é o que ele vem te lembrar. Qualquer valor é maleável e discutível nas mãos de quem nada tem a perder e nada deseja ganhar.

Ele ri porque ele é o Nada último, e você nada pode fazer sobre isso.

Jack Nicholson foi um Coringa estiloso, admito, mas ainda assim Jack Nicholson. Deve ser porque ele tem demais de si mesmo em si mesmo e olhamos para a tela e vemos Nicholson fazer um bom Coringa, ponto. O Heath Ledger não (que Sei Lá o Quê o tenha), ele não tinha nada de si em si: vestiu o Nada de um legítimo Coringa e ultrapassou os limites do caos e do niilismo.

Você não pode viver com ele, o Coringa; mas não pode viver sem ele, sem algo para te lembrar que você e o Seu Mundo valem tanto quanto a sanidade permitirem. Você não consegue viver com o Coringa, mas não conseguiria matá-lo nem que pudesse.

sábado, 21 de junho de 2008

Menina Feia

No meio da sala de aula uma menina feia, com aparelho nos dentes, um rosto esquisito, um rosto esquisito esse o dela, e os aparelhos. Ela me lembra minha ex-namorada, acho que se deve ao fato de que também a achava feia, digo da minha ex, ou talvez a cor do cabelo, as roupas, era assim que ela se vestia quando nos conhecemos. Era assim que ela se vestia quando nos conhecemos. Uma saia preta de bolinhas brancas, uma camisa bonita, uma bolsa de clacket de cinema, deve ter comprado no Luzes da Cidade. Minha ex-namorada trabalhou no Luzes da Cidade, me comprou alguns livros do Cortazar com desconto, à época era fã de Cortazar. Hoje eu não sei do que sou fã.

Cocorosie, eu acho. Não sei.

Passo por um momento sem fortes emoções. Me suícidei uma vez no ventilador de teto do meu quarto. Fiquei sufocando lá com 17 anos. Eu não sei que idade tenho hoje. 17 anos. 22. Não faz tanta diferença assim. Fugi das emoções para sobreviver aos ventiladores de teto e às cordas no pescoço. Não acho que tenha adiantado muito. Minha ex-namorada me apresentou as laminas de gillette. Meus braços aprenderam muito com elas. Alguém me disse que se cortar libera endorfina. Olhou pra mim e disse, Cara, é foda, tenta só. Eu tentei. Isso é coisa de idiota. Mas quando se é idiota você nem liga muito mais pro que está fazendo. É bom ser idiota de vez em quando. Existe um certo ar de superioridade em sê-lo. Um certo descaso à necessidade de agir assim ou assado.

O aparelho de dentes, acho que é o aparelho de dentes.

Quando tirar o aparelho talvez fique mais bonitinha. Ou talvez não, não sei. Ela realmente não é muito bonita. Se eu me apaixonasse, quem sabe? Funcionou com minha ex. Mas por que eu iria querer torná-la bonita? Foda-se ela. Olhou e sorriu para mim. Está dando mole. Obviamente me dando mole. Deve adorar flertar com desconhecidos. Feia assim, será que consegue algo? Minha ex conseguia. Consegue. Ela sorri com o aparelho. Feia. Tem até um corpo bonito. Deve ser assim que faz. Homens estão sempre em busca de uma foda. Minha ex sabia muito bem, mesmo que inconscientemente, se utilizar dessa característica para conseguir as suas trepadas. Vou parar de sorrir que não estou para mulheres feias essa semana.

Eu me sinto um babaca. Eu sinto que as coisas acontecem e eu vou tomando posturas babacas só pra não ter que pensar. Às vezes para não ser igual aos outros. Às vezes para ser. Eu devia prestar mais atenção nas aulas, ao menos fingiria que isso tudo aqui tem algum sentido para além das cordas e ventiladores de teto. A menina feia ainda está querendo flertar. Eu não quero. Não quero mais uma namorada feia para destruir meu coração. Estou hoje vencido. Como se não tivesse mais par com as coisas. Como se não fosse já muito triste na minha pequenez, que eu ainda precisasse ficar aqui me embriagando em citações internas para tentar avivar catarses e sentimentos alheios.

Nas aulas desse semestre. Exceto o fato da menina feia. O pouco que me tira da cama é a minha Professora de Civil.

Ela lembra a minha mãe, em certo ponto. Froid explica. Eu casaria com minha Professora de Civil. Faria sexo com ela. E cuidaria da sua filha de oito anos como se pai fosse. A filha dela é linda. Parece a mãe. Queria ser pai. A turma está em volta da professora para pegar as notas e a menininha ficou na porta esperando, com o uniforme do colégio e o rostinho bonito brincando com a alça da mochila, as rodinhas para frente e para trás. Eu paro ao lado da porta esperando minha ex-namorada sair. As pessoas vão saindo da sala e não falo com ninguém. Não os conheço o suficiente para receber um oi. Quando era pequeno eu dava um oi para qualquer um que visse da minha idade, e era retribuido e ficávamos super amigos e jogávamos taco e brincávamos de polícia e ladrão. Hoje. A filha da professora olhou pra mim e perguntou toda pequena como as crianças adoram ser. Você está fazendo o que? Pensei em chamá-la para brincar de pique , mas minhas pernas são grandes e ela nunca me alcançaria. Espero uma amiga. Ela entra na sala e volta. Só têm uma menina na sala de aula. Deve ser ela. Eu dou um sorriso. Olho para sala. Viu, não disse, ela mesma. É sua namorada? Não.

Oi. Oi. Ta afim de sair pra beber? Hã? Não sei nem o seu nome, cara. Guilherme, e o seu? Julia, prazer. Professora, sua filha é a coisa mais linda do mundo. Parece com a mãe. Parece sim. Eu me casaria com minha professora. Adoro a Patricia. Ela é a melhor professora da faculdade. É sim. Mas, então, Topa sair? Assim, do nada?É! Desculpa, cara, mas eu não bebo, fica pruma próxima. Então tá, foda-se. Lembra minha ex, mas não é. Não bebe. É feia. Feia pra caralho e me deu um fora. Essas meninas feias só existem para destruir meu coração. Nota mental, nunca mais flertar com feias. Devia flertar com minha profesora. Ela é casada. Nunca me daria bola. Acho que vou parar de flertar. As laminas de barbear ainda estão no banheiro. O ventilador de teto e a corda ainda estão no quarto. Eu morri com 17 anos. Balançava como um pendulo oscilando sutilmente sobre a cadeira tombada no piso de madeira.

***

sábado, 24 de maio de 2008

O calendário

­ - Já deu alô para os seus padrinhos?
­­­Sua voz estava mais fraca do que nunca. Sempre penso a mesma coisa ao entrar em sua pequena quitinete com panos velhos e retratos carcomidos: sua voz fica cada vez mais fraca. E o rosto, mais vago. O tempo come a expressão? Não sei, mas come a compreensão. Ela não entende mais a missa metade.
Eu não quero envelhecer. Amo minha juventude, como se fosse um mérito meu. A velhice é uma merda, e eu prefiro a minha ignorância jovem. Morrer jovem ou viver metade da sua vida velho?
Ela não entende o que digo e solta uma gargalhada nervosa, um reflexo fantasmagórico do seu antigo riso de resignação. As manchas na pele a envergonham. Ninguém se sente por dentro velho como é por fora, sempre puc gente de idade falando isso. E temo não desejar estar no corpo que tenho. Não consigo ver vantagens na velhice, e quero ver, porque pior do que as traças o tempo na carne e a marca de navalha na cara, bisturi desregulado, um grito gutural: “Ainda quero dar! Ainda quero dar!”. Isso sim dá pena.
- Como assim alô, Tivó, pelo telefone?
Já sabia o que ela ia dizer. A coisa vinha crescendo nos últimos meses. Tinha começado como uma piada inocente, mas em algum ponto, as imagens se fundiram em sua mente cansada e ela já não sabe ler dimensões. Algo do gênero.
- Não, na sala.
Antes ela ainda vinha se corrigindo. “Ai, que bobagem minha, falar com a foto”. Mas agora nem isso, mais. Correções a essa interpretação da realidade, por assim dizer, são sutilmente descartadas por um balançar leve da cabeça, com olhos baixos. Não escolhia de acordo com o mês qual página do calendário seria exibida na parede, e sim de acordo com qual foto de família mais lhe apetecesse no dia. Naquele dia era a do Tio Beto e da Tia Ana.
- Na saída dê um tchau pros seus padrinhos. Não custa né.
- Ah, Tivó, dar tchau para foto...
- Só um tchau!
Na parede as imagens estáticas, que aos seus olhos vem se fundindo ao mundo turvo dos dias lentos da velhice. A velhice é lentidão e peso, e o que é dos dias sem a leveza, a dispersão, o suco de caju ralo? Dizem que há certas vantagens, mas eu não enxergo. Pode ser também cegueira.
- Essa foto é a de abril, Tivó. Estamos em maio – eu digo, trocando a foto. Ela se remexe nervosa, na cadeira. Ofendida. Como se tivesse expulsado seu filho de casa.
- O telefone tocou outro dia e era ele. Eu perguntei, ô Beto, como você ta me ligando daí se eu to te vendo aqui na sala?
Eu estou me preparando para perdê-la, eu devia já estar preparado. Ninguém é eterno. Na verdade, até acredito que todos sejam, mas não na forma-corpo, consciência-história que lhes atribuímos. Essa fotografia não é eterna, se perde, se confunde, se esvai, fervendo e fundindo na mente mofada as idéias do passado em outras idéias, que eu, jovem, não posso compreender.
O que vejo nela, e em todos, é também uma fotografia, a minha fotografia, a que eu montei, pintei, iluminei e a que eu expurgo de mim, de dentro para fora. Se para ela aquelas fotografias vem adquirindo vida, para mim a foto dela vai, vai, vai o que? Vai. Indo.
Talvez seja exagero. E se não for, vira o que? Exercício de aceitação? Aceitação das coisas irremediáveis?
Agora junho eu aniversario, e outra foto entra no calendário quando muda o mês, mas ela não segue a ordem dos meses, segue a ordem da saudade.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Traumas de Infância (II)

Olha a cabeleira do zézé, será que ele é, será que ele é. Todo mundo se fantasia de mulher no carnaval, é pro bloco das piranhas. Uma fantasia de Madona. Tem peitos e é toda dourada. Uma peruca loira. Muito foda. Uma criança de 9 anos se fantasiando. Carnaval. Amigos todos no bloco. Bloco de cidade pequena. O carnaval é sempre casa dos avós. Cidade Pequena. É sempre amigos transitórios. Cidade Pequena. E Daniel gosta de passar as férias lá e brincar na piscina, e chupar picolé, e pique-esconde com os amigos, e andar a cavalo, e subir em arvore, e tomar banho de cachoeira, e. A minha fantasia pro bloco vai ser foda. A mais foda de todas. Arranjei uma roupa igual a da madona, cês vão ver.

Certa vez, um pouco mais novo, havia perdido uma aposta com a sua irmã. Apostou que Carol não conseguiria pular mais longe que ele, conseguiu. As clausulas eram claras, não havia dúvida. Uma peruca de cabelo chanel e desfilar pela rua voltando do colégio. Menina seu cadarço está desamarrado. São gêmeas? E até que era uma menina bem bonitinha. Somos sim. Um sorriso era a constatação da felicidade. Dias depois a peruca na cabeça, pose na frente do espelho, um susto, a mãe o pega em flagrante. Ninguém diz nada. Daniel gostava de se vestir de mulher.

- Menino, que que é isso, se vestindo de mulher?

Ele corria para o banheiro e se trancava. Se perguntassem de novo desconversava, fingia que não aconteceu. Mas agora era carnaval, no carnaval pode, todo mundo faz. Ninguém iria julgar.

- Menino, que que é isso, se vestindo de mulher?
- É pro carnaval, todo mundo se fantasia de mulher no carnaval, vou pro bloco das piranhas, Vó.

A avó chocada. Pede ao garoto que espere. Anda de um lado ao outro da casa, fala com o avô. Anda mais. Volta.

- Vem cá, garoto. Tira essa roupa de mulher. A vovó trouxe uma fantasia legal do batmam pra você.
- Não quero fantasia do batman. Quero minha roupa da Madona!

Insiste. O garoto grita. Chama o avô. Eles brigam. Mandam trocar de roupa. Tiram a força. Daniel chora. O primo entra, sai. A irmã ouve escondido na porta. Colocam a roupa do batmam. Daniel grita e chora. Esperneia. Sente raiva, a roupa do batman é feia, mal feita. A camisa é de regata, horrível. Não vai sair de casa daquele jeito. Liga para a mãe, Soluçando. Chora e geme ao telefone. Magdalena não entende uma palavra. Manda chamar a avó.

- O que foi que houve Mãe?
- Seu filho que quer sair vestido de mulher pela rua.
- É carnaval mãe, deixa de bobagem.
- Não é bobagem, você quer que seu filho vire…
- Ah, mãe, não me vêm com essa não, você me vestia de menino e não deixava meu cabelo crescer quando era criança, e nem por isso eu virei lésbica. Vai a merda. E se ele virar, que seja, não têm problema nenhum.
- Olha só minha filha, quando ele estiver sob minha guarda, eu que decido, e está decidido, neto meu não se veste de mulher.
- É, nem filha.

Daniel não saiu aquela noite, ficou chorando na cama. Tirou a roupa do batmam e tentou rasgar, não conseguiu. Socou o travesseiro. Gritou. Mordeu. Dormiu.

Lá fora tocava uma marchinha de Carnaval e os amigos dançavam e cantavam jogando serpentina. Todo mundo vestido de mulher. Daniel tapou a cara com o travesseiro pra não ouvir.

Depois disso nunca mais quis passar o Carnaval com os avós.

domingo, 27 de abril de 2008

Chão

Em meio ao cheiro intoxicante de sinteco, às paredes vestindo um novo branco e vermelho, ao cheiro de água-rás, aos móveis fora de lugar que fazem parecer que acabamos de nos mudar para cá, em meio a tudo isso percebo que meu chão é frágil, delicado, e que um pufe fora de lugar me tira da minha órbita. Não sou só eu, imagino, que vive nessa tentativa de dar ordem e classe ao caos, quando o mais leve dos tremores me faz esquecer meu nome, me faz repensar meu dia, me faz lembrar "tô viva".

Agora uma ordem nova vem serpenteando por essa casa que é tão tão minha, mais ainda, tão parte de mim. E a noda ordem vai entrando em mm, para depois ir para fora, raio esférico, projetando, será que será, algo muda mesmo? Algo muda na ordem?

A real mesmo é que não tem porra de ordem nenhuma.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

O que que eu tô fazendo aqui? Tô na maré. Minha perna com hematoma -pulo muito em casa, caí no chão rolando, me fudi toda, chorei de dor, temi ser grave mas foi uma emoção- aperto, ai, adoro dor de hematoma, e eu de bota, poça de chuva na rua, um monte de escada, tudo no Rio tem escada, essa pré-adolescência revolt que eu já enterrei, eu tô rebolando demais, eu tô bêbada. Tropeço na escada, caio de joelho, mulher adora ficar de joelho, mas não teve reza não, foi só tropeço. Levanto, vou pegar outra cerveja, converso com a beesha da fila: ele vai ser escritor e vai me chamar pra sua noite de autógrafos: Qual seu nome? Sérgio. E você? Rachel, prazer.

Não tem ônibus, tomo táxi, detesto ter que gastar dinheiro em táxi, faço pipoca matinal, durmo, protelo, protelo, protelo terminar essa porra desse trabalho, não suporto mais minha faculdade.

O que que tô fazendo aqui? Só na maré. Eu Não consigo parar de apertar esse hematoma. Eu sou viva, minha carne é viva, capaz de produzir hemorragia interna, rapá. Viva e jovem, graças a Deus. É bom agradecer agora enquanto é tempo.

Não saiam de bota se estiverem com pé fudido.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Traumas de Infância (I)

A mãe nunca deixa a pequenina ter o cabelo grande. Não, não, não! Tá muito grande isso aqui! Você ta parecendo uma maluca com esse cabelo desgrenhado. Durante seis anos seguidos a mãe olhou torto para o cabelo grande. No natal ganhou o castelo de Grayskull. No aniversário uma bola de futebol. Na páscoa ganhou ovo de páscoa, não que isso faça muita diferença, mas era um ovo de chocolate branco e todos sabem como ela gosta de chocolate branco. Comeu ele inteiro e lambuzou a boca e as mãos. Comeu todo ele como a pequena de Alvaro de Campos comeria. E não houve mais metafísica no mundo que o desembrulhar do papel laminado, o barulho do papel laminado saindo de cima do ovo, e o chocolate na boca da menina feliz. Na escola se tinha peça ela era o macaco, era o arbusto,o burro, nunca a princesa. A professora decidiu então que todas as meninas iriam ser flores. Já os meninos seriam animais. Sorteou: Bernardo vai ser um Leão. Marcela vai ser uma margarida. Igor um tigre. Camila uma rosa. Daniel um touro. Magdalena vai ser uma Maria-sem-vergonha.

- Mentira, não existe essa flor. Não existe Maria-sem-vergonha.
- Existe sim, ali no jardim do pátio tem um monte.
- Mentira, mentira, eu não quero ser Maria-sem-vergonha

E correu para debaixo de uma mesa e ficou chorando. Consolo nessas horas não ajuda. Nunca ajudou. A mãe a deixava parecendo com um menino. Na escola era arteira e recebia bronca dos professores. O castelo de Grayskull tinha um he-man, e ela fingia que era a casa da barbie. O he-man era a barbie. A bola de futebol era a lua. Magdalena chorava sozinha pois queria ser uma princesa como as outras meninas.

Completados 7 anos a Mãe decidiu fazer uma grande festa. O pai pagaria é claro. Ficou em casa imaginando como seria, o vestido, a dança, tudo mágico. Visitou o avô e ele era um homem muito caprichoso, tinha me prometido uma coroa de princesa. Ela teria pedras preciosas e seria toda de prata, só de imaginar era um sonho. Cheguei na casa do vô e ele estava empenhado no quarto. Perguntei o que fazia e ele escondeu. Ainda não estava pronta, mas pelo visto ficaria linda. Tentei olhar escondido para ver como ficava. Calma menina, ainda falta um bocado, deixa eu terminar, não olha antes que se não dá azar. Pensei que se a coroa fosse tão maravilhosa quanto imaginava, o vestido seria, e sorria sozinha e pulava pela casa. Nunca havia sido tão feliz. Vou ser uma princesa. Vou ser a princesa mais linda do mundo. E pediu para a irmã fazer uma trança mas ela não conseguiu, o cabelo era curto demais. E sorriu que não teria problema, nada poderia ser um problema para ela naquele dia. Naquela noite.

Era uma sexta e chegando em casa correu para o quarto procurando o vestido. Manhêê, cadê meu vestido de princesa. Cadê o meu vestido?

Na cama uma camisa listrada e uma bermuda rasgada. Manhêêê, cadê o meu vestido? Cadê o meu vestido?

A mãe no quarto,tentando compreender o que a filha falava. Manhêê cadê meu vestido?

- Que vestido querida?
- Meu vestido de princesa!
- Do que você está falando, que vestido de princesa?
- Pra minha festa hoje.
- Querida.
- Cadê meu vestido mãe...?
- Não tem vestido, mas, olha só, tem uma roupa de pirata super legal que a mamãe comprou pra você!

Era possível ver a lagrima nascendo nos olhos de Magdalena. Um berro. Não quero ser pirata, eu quero ser princesa. Corre e se tranca no banheiro, chorando. Continua no banheiro. Chorando. Magdalena é a pessoa mais triste do mundo. Quer morrer.

- É mentira, né, mãe? O vô tava fazendo uma coroa de princesa pra mim, eu vou de princesa, não vou?
- Não, eu não comprei vestido . Você sempre adorou piratas, é muito legal sua fantasia vem olhar querida!

Chora

- Abre essa porta vai menina, não fica assim, a gente dá um jeito.
- Não quero ir de pirata, não quero ir de pirata.
- Você pode ir com a roupa de pirata e a coroa de princesa.
- Não quero, não quero!

Chora.

Algumas horas depois aceita, vai com a cara vermelha e emburrada, uma camisa listrada e uma calça rasgada, um tapa-olho preto e a coroa mais linda que já fizeram em todo o universo.

Danilo pergunta:
Cê tá fantasiada de quê Madá?

Chora.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

O Trident entrou em mim. Filhos da puta. Sabem me ler, sabem me ler direitinho. They got me pegged. Eu queria fazer publicidade quando era mais nova, mas a minha moral cristã me impediu. "Sei lá, acho que daqui a uns dez anos eu vou me sentir mal em ganhar a vida convencendo os outros de que só vão ser felizes com tal xampu". Adorava repetir isso. Mas como é sedutor: trocadilhos do Hortifruti, logomarca da Unilever no canto direito da tela, transformar qualquer coisa em portador de apelo sexual, cotonete sexy, creme sexy, sangue menstrual azul, enfim. Tudo bacana. E agora o Trident me venceu. No meu estômago, em cheio, foi um fuzil. A mulher deu um tapa na bunda na frente dos pais embasbacados e eu fui correndo comprar um Trident. Ok, não exatamente correndo, mas no dia seguinte, antes de comprar água de côco (que é hidratante e bom para a pele) a caminho da aula. Comprei, comprei. Eles mandaram, eu fui e comprei. Me livrei do blá blá blá. Satisfeitos? Me têm na mão agora, seus malditos gênios, senhores do tempo e da minha conta do Bradesco. Que fizeram de mim: agora eu sou um retalho de individualidade libertadora a base de TRIDENT! TRIDENT É ALEGRIA!!!!

Como soou desesperada essa minha verborragia. Lendo isso alguém pode crer que sou um turbilhão de conflito interno, quando na verdade meu conflito interno é tipo assim, em nível subatômico; dando uma afastada o sistema continua em perfeita ordem em sua totalidade, sacou? O Trident não impede - e talve até contribua com - a minha felicidade.

Se alguém for agora na esquina comprar Trident, não me responsabilizo. Eu hein, vai tomar no cú, a vida é sua e não minha.