quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Sempre se é novo quando se morre

Um prato típico, cachaça, churrasco, vinagrete, coisa toda a toa, homenagem boba pr’ajudar campanha, que pega criança no colo e beija, sorri criança no colo e beija, come a comida da Tia Marlene, A boca espumada mais tarde viria a mostrar , laudo pericial na mão do médico, envenenamento, as lágrimas nos olhos verdes pelo rosto vermelho, corridas nos espaços calmos da casa, oi, oi, meus pêsames, e a polícia, os outros parentes, trancada no quarto com o filho, cemitério, mais lágrimas e clima cinzento escuro tristeza ignorando o sol batendo forte no rosto de cada um, ela chora desesperadamente, avó com filho , segura, e aperta , e ele era tão novo, era tão novo (40 anos), e tinha tanto futuro pela frente, os jornais noticiaram a morte e até um especial televisão carreira política louvação que o colocava definitivamente na história, Mãe, papai foi pro céu? Acho que sim querido, foi sim.

Sempre se é novo quando se morre.

Acreditava pouco nessas coisas quando sóbrio, mas foi só a garganta apertar, o braço começar a tremer, perder o controle do corpo que veio, veio esse medo intransigente de quem sabe que está a beira da morte, medo , pavor, e a lembrança da prima de doze anos dormindo enquanto subia em sua cama, uma criança grávida de outra e o aborto forçado, o feto morto nas mãos do médico, nas mãos da prima, seu rosto morto nas mãos da prima, doendo uma dor agonia no peito que era pior que a morte, essa dor agonia medo que era o seu corpo fetal num pote de laboratório, um medo terror, dor, angustia, medo de não se sabe bem o que que não tinha mais razão só culpa, uma culpa tão profunda que quem me lê agora até acredita que tenha sido seu único pecado.

De todos os pecados só se arrependeu de um, dois segundos depois a paz. O dinheiro desviado das merendas escolares, das ambulâncias superfaturadas, nada disso. Correu pela calçada descalço do pé e da alma, chegou na jabuticabeira que escalava na sua infância, subiu no galho mais alto e sentiu uma sensação de liberdade que havia esquecido faz tempo.. Depois disso, paz. E Paz é igual a vazio

Tia Marlene desapareceu, assassina de aluguel, deu na TV, treze assassinatos, eram todos políticos, todos corruptos, como se assim fosse mudar alguma coisa, o filho pergunta para onde estão indo, marido é preso e ninguém fica sabendo, dois assaltos a banco e uma joalheria, sinto falta do papai, a imprensa faz questão de ignorar, sinto falta da nossa casa, mais dois políticos mortos, um empresário, Mamãe ainda vai resolver isso querido, ainda vai. Ela nunca cumpriu a promessa. Morreu aos 53 anos com dois tiros na testa. Havia cinco pessoas em seu enterro.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Sobre a morte de Estrelas


Maria demorou um pouco a perceber, a pequena julia tinha as bochechas grandes de mais. O Pai disse que aquilo não era normal. Não era para ela ter bochechas assim, precisavam levá-la ao médico. As palavras do médico não foram confortantes. Julia tinha um linfoma grave que atingia o rosto e pescoço, morreria em 3 meses. No dia 3 de maio de 2009 morreu. No dia 4 a mãe se jogou do prédio com o bebê morto no colo. No dia 6 o pai deu um tiro na cabeça. Dar os detalhes seria covardia. O céu continuou azul e a grama continuou verde. As crianças não pararam de brincar de pique-e-pega na escola. Porém, uma estrela a 123 milhões de anos luz de distância parou de brilhar no céu essa noite. Fechei os olhos e pensei na vida e na existência. Chorei como nunca havia chorado, mesmo sabendo que as estrelas nunca param de brilhar de verdade, mesmo sabendo que chorar é só um modo de tentar expressar o inexpressável....

domingo, 25 de janeiro de 2009

Bolinha de Sabão

Ela olhou para mim. e ela era um sorriso. e eu era um sorriso. e éramos tão sorriso juntos que até mostrava os dentes, e ficávamos assim cheios de vergonha. retorcia a boca. tentava disfarçar. mordia o lábio. ela era tão bonita, uma boneca de porcelana, era tão bonitinha. a coisa mais linda que já vi. do meu lado cochichou no ouvido bolinhas de sabão. fez cosquinha. e ria, e era sorriso e dentes, que nem ligava de mostrar o aparelho. e eu nem ligava de mostrar o meu coração. perguntou se era isso que chamavam de amor. disse que não, disse que amor era coisa de gente chata, desesperada - amor é uma faca de cozinha na mão apontada contra alguém ou contra si mesmo - o sorriso apagou - isso que tínhamos era o que ninguém chamava, porque ninguém tinha, era só nosso. chamar de amor seria comparar com o resto do mundo; sorriu de novo. ela era o meu sorriso. éramos o sorriso um do outro. construiria um universo inteiro para guardar esse momento | A felicidade consistia em três quartos d'água e um de detergente. a felicidade eram as bolinhas de sabão que cochichávamos nos ouvidos um do outro. e ela reclamava que fazia cosquinha. e eu mordia fraco a orelha e grunhia feito um monstrinho. eu era um gremilin - gruuaha; -era um gremilin cheio de doces à meia-noite. mordia a bochecha enquanto ela me prendia com suas bolinhas de sabão. te peguei; droga, te amo; não foi você que disse que não era amor?; é verdade, bleah, me pegou de novo; e eu fiquei sem graça. mais ainda quando daquele olhar cor de mamão. a gente tem que dar um nome; continuei sem graça. a gente tem que chamar de alguma coisa se não isso vai ficar se repetindo; fazia bico. sugeri isdruruchi. muito verde-musgo; mordi o seu nariz. mordeu o meu. ela era linda. olhou de canto pensativa. sorriu. já sei; me beijou toda prosa e cochichou no pé do ouvido que não tem pé: Voce é minha bolinha de sabão; fez cosquinha. cochichou de novo: e eu sou a sua; e tentei guardar aquilo num potinho de papelão que tinha no quarto. embrulhei com papel de presente e tinha cheiro de chocolate. chocolate com amêndoas. quis abrir e comer mas resisti. botei no alto da estante mais alta de todas as estantes da casa. tinha medo de perder. de acabar. botei no lugar mais alto possível para que não alcançasse nem se ficasse na ponta dos pés: e nunca mais consegui alcançar.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Caixa postal

Quando liguei agora foi para que o recado na caixa de mensagens do celular fosse ouvido só depois de semanas, meses, sei lá quanto tempo fosse preciso, ela nunca está para mim. Não deve ouvir o recado, quem é que ouve recados? Quando ligava antes e dizia alguma bobagem, e o que vai fazer, mas eu liguei demais. Às vezes cogito hipóteses, e eu sei que liguei demais, mas, bem, ao certo, nunca se sabe, e é difícil quando se é arrogante, quando se sou eu. O que finjo que sou não difere tanto do que é aquilo que acabo sendo quando me entrego aos pequenos detalhes, àqueles em que eu sei que ligo demais, mas na superfície penso não ter problema, eu finjo não ter problema, ela queria que eu ligasse, não queria? É isso sim, não é? Tentando se convencer de que é verdade. Mas quando eu liguei depois de uns dias, e o telefone não atendeu, e eu deixei a primeira mensagem, a primeira mensagem na caixa de mensagens para que fosse ouvida só daqui a semanas, ou meses, tanto faz, eu estava um pouco resfriado, acho que foi no natal. Posso ser um cara legal, eu posso sim, mas eu continuava ligando demais. Quando eu liguei para ela e ela não atendeu o telefone, pela segunda vez. Eu devo ter deixado outra mensagem só no carnaval. Isso foi depois da terceira, quarta, quinta, e lá se vai a minha memória de quando ela parou de me atender. A segunda mensagem foi algo como, Me liga quando puder, estou com saudades, quero te ver. Na semana seguinte, na aula, tudo como sempre. Oi, como vai? Sorriso. Tenho que ir. Tchau. E mais uma mensagem. É acho que essa foi a terceira. Ah, sim, a primeira, não tinha dito, To ligando pra dizer que estou com sua carteira, você esqueceu na sala, depois fala comigo, e no dia seguinte, eu falei na aula, Ei, tonta, esqueceu sua carteira aqui ontem, nem veio pedir de volta. Mas o terceiro recado, sim no terceiro recado, quando ela já não atendia a mais nenhuma ligação, talvez por isso mesmo eu tenha dito, sim, foi por isso que acabei dizendo Eu te amo, meio rápido, lembrou de quando tinha 11 anos e ligava para Beatriz que sentava na minha frente durante as aulas e eu puxava o cabelo dela, e todo esse lugar comum que é uma criança no telefone ouvindo a voz, só ouvindo, sem coragem para dizer nada, Alô? Alô? Quem está aí? Eu sei que tem alguém na linha, eu to ouvindo sua respiração. Clackt. Mas agora já era grande, grande demais, para essas coisas… Acho que foi por isso que ela não me respondeu.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ao seu lado(essa música me lembra a ba.)

Eu sempre estarei ao seu lado embora voce esteja na pior.Eu sempre estarei ao seu lado mesmo quando voce estiver na pior. Eu quero ser a sua esposa.Tudo o que eu queria era ser sua esposa. Eu passarei suas roupas,engraxarei seus sapatos, arrumarei sua cama, cozinharei sua comida, nunca vou ser filha da puta.

Serei a melhor garota que voce já encontrou e por um anel de diamantes eu farei essa especie de coisas, eu esfregarei seu chão,nunca sou chata.

Eu te aconchegarei,eu não ronco,eu posso usar sua mascara de dormir,asso pra voce tortas de maçã, eu não pergunto nada e tento não chorar.

E quando é quase meia noite e tudo que quero na minha vida é ser uma dona de casa, é ser sua esposa. Porque é quase meia noite e tudo o quero na minha vida é morrer como uma esposa. É morrer como uma esposa.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Fabricio´s Hairstylist

Cacildes, o poder da linguagem é um negócio incrível mesmo.

ônibus passando pela R. das Laranjeiras. Olho pro lado e vejo um pequeno sobrado diante do qual pende um cartaz básico, preto-no-branco. Uma coisa que emite ago entre simplicidade, bom gosto, contemporaneidade. Aquela coisa. Pós-modernidade. Enfim.

No cartaz diz: Fabricio´s Hairstylist. Agende um horário. 2000-0000.

Aí penso comigo: "humm, quando eu quiser cortar, podia ir aí".

Depois penso: "mas peraí! Por que aí? NUNCA ouvi falar nesse lugar. Não sei se é bom, bonito ou barato.

Por que eu pensei nisso? O cartaz era clean, mas tem mil cartazes clean com fontes redondinhas. E o nome do lugar não tem nada de chamativo.

Aaaah, aí matei a charada! AGENDE UM HORÁRIO. Essa é a frase mágica.

Específica e isoladamente, essa frase tem pouco impacto. pero, porém, contudo, em um cartaz básico e clean, o isolamento dessa frase dá vários recados. Primeiro: fabrício é concorrido; agende. Segundo: Fabrício é organizado; agende. terceiro: Fabrício é confiante; não tem necessidade de fazer alarde sobre preço ou mesmo qualidade; Fabrício se garante; agende.

Fabrício é um espertão hein. Ratão ele. Quase me pegou. QUASE, malandro. Hahah. Vai demorar pra me tirar da Marli; vinte reais por puro estilo.

W Brasil, vocês tão dando mole. Contratem o Fabrício - ou quem quer que tenha sido o raposão que fez o cartaz dele.

sábado, 15 de novembro de 2008

Cronopios apaixonados

Ele disse que se apaixonou por mim, eu que estava apaixonado por ela, ela que estava por ele, e o ciclo se fechou assim, com tres pessoas solitarias trancadas num apartamento, que para sair para rua precisavamos da chave da porta de casa.

(teclado ruim)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O mundo é cheio de gente

e dentro de cada gente, há um microcosmos, e dentro de cada microcosmos, um macrocosmos, e assim vai indo, irradiando, ad aeternum e ad infinitum e ad batatum e ad pepinum. Eu queria conhecer todos vocês porque não acredito, de modo algum, na superficialidade - nem no profundo. Na verdade, acho que tem apenas o visível e o escondido, mas o escondido toma tempo, muito tempo, e quem tem tempo, quem tem, quem.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Pecados capitais

Entrar para uma faculdade é o início da morte do lúdico. O início da idéia de que se “tem que” alguma coisa. De que preciso produzir e utilizar meu tempo produtivamente. Perdemos o direito ao ócio e o ócio traz culpa, como se fosse um privilégio pequeno-burguês que não deveríamos estar usufruindo já que nossos pais trabalham, já que as domésticas trabalham, já que as professoras e professores das redes municipais fedidas e despengueladas trabalham, já que os operários e ambulantes e camelôs trabalham. Se divertir, agora, é o crime último, e se prepare, vai ser assim para sempre.
Porque somos católicos.
Porque somos trabalhadores.
Porque somos latinos e bebemos desse ímpeto voraz de trabalhar com os braços e as pernas, quando tudo o que eu queria, palavra, era ir à praia em plena quarta-feira.
Mas esse querer é feio, e o fazer é pecado.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ai que rombo no estômago!
É o sussúdio?

domingo, 31 de agosto de 2008

Vaso Sanitário e Cama(sono)

Primeiro a legenda colorida, dificuldade essa de deitar de óculos, os dois beijinhos de óculos também, uma haste na outra, bate e dói, logo após ir ao banheiro. Eu me apaixono pela menina que escreve mais lindo do mundo, passo por cima do resto e me jogo de cabeça, me apaixono. Diarreia, e fico só nessa palavra, sim, me recrimino nas minhas intenções descritivas, me recrimino ao mesmo tempo que dói e não para. Uma vez a menina que escrevia mais lindo do mundo tripudiou das minhas escatologias, sinto até hoje, dolorindo a barriga e o corpo tremendo em calafrio enquanto sai. Igual a diarreia. Disse que era uma criança babona e adorava escatologia. Nem escreve mais lindo do mundo mais, nem era mesmo o amor da minha vida. Eu sou uma criança babona cocô-xixi-meleca. Ela disse cocô-xixi-meleca. Acho que foi por isso que me deixei afetar. A diarreia alivia e o quarto, tão mais fácil escrever assim. Sentei comigo e lembrei do que li a pouco. A menina que escreve mais lindo desse mundo. E ela agora têm 1,68. É da minha altura praticamente. Os filhos serão vesgos. Os cachorros asmáticos. A casa toda , toda, toda. É assim que são realmente os pensamentos sobre o futuro, sobre querer um futuro e se apaixonar. A maga morreu em paris... Amélie Poulain era só uma personagem. Agora eu fico calado. De olho arregalado, tentando deitar de lado, os óculos atrapalham, o melhor seria tirá-los e ir dormir.

sábado, 9 de agosto de 2008

General Bruce

Escuta, moço, não sei onde moro. Meus pais chamam Carlos e Josefina e tenho irmãos que não olham para mim e não sei o caminho de casa. Se você quiser, eu fico com você, até eu lembrar meu endereço. Sei fritar ovo, fazer suco de morango com leite batido no liquidificador. Dobro roupa, passo, varro. Recorto imagem de jornal, tomo banho todo dia, ando na rua sem pisar nas rachaduras da calçada para não causar terremoto, falo com meu reflexo no espelho, pinço a sobrancelha.

Acordo cedo fim-de-semana e faço história na cabeça, deitada na cama. Me faço amiga do teto. Compro bala na rua e divido com as pessoas. Uso vestido florido mesmo que o dia estiver chuvoso.

Ai, xô ver que mais.

Escrevo carta pruns parentes em Juazeiro. Faço desenho, desenho árvore, flor, cavalo. Sou aquariana. Não sei direito o que isso quer dizer, mas a moça da loja de Umbanda me falou, e eu levo ela muito a sério. Sei dar ponto em rasgo, costuro botão. Eu posso costurar os botões da sua camisa, posso requentar o almoço quando for de noite e você estiver com fome. Trabalho quantas horas for preciso, pela paga que for. Trabalho por tédio, por amor, por sermão, qualquer moeda tá me servindo.

Dou cabo dos teus inimigos e te arranjo amigos. Te faço cafuné e arranjo vagabunda na rua para você. Mulher séria eu não posso garantir, porque eu também não sou milagreira. Arranjo mulher na Lapa, na Glória, ali perto do zoológico. Lá em São Cristóvão, não é longe, de metrô eu chego rapidinho.

O metrô é ali, é a algumas quadras de rua onde eu moro, a General Bruce.

Lembrei moço! General Bruce! Ali tem meu apartamento descascado, Carlos, Josefina e meus irmãos. Ah, fica pra próxima, então. Mas olha, eu tenho uma colega que nem do nome lembra. Biscoito fino, essa, sabe de tudo.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Conselhos de quem não sabe de nada

Então, a parada que eu ando concluindo como sendo importantíssima para a vida é:

NÃO SE RENDA A SI MESMO.

É, você sabe.Você quer ficar três dias sem sair de casa, no orkut. Você quer ficar gordo. Você quer... sei lá.

Entrar debaixo da cama, com suas emoções sem eira nem beira, e dormir eternamente, comendo tangerinas. Tangerina atrás de tangerina. Ai, qual era mesmo o nome dessa emoção, que me acomete, louca de vez em quando? Tinha bolado um n ome...

...Mas me escapa.

Ah, sim! Acidez desfiada! Ou ansiedade semi-chorosa.

Sentido não é pré-existente, podendo apenas ser criado. Através de QUALQUER coisa, contanto que a seringa esteja munida com sua dose de paixão para nos despertar. Não importa que seja artificial, porque o artifical é natural - tudo que existe, existe. O melhor que se faz é criar um sentido qualquer aí.

Tô no caminho. Tipo assim, se considerarmos o iníci do caminho aqui e o fim do caminho em algum lugar nos entornos de Plutão.

Não fique gordo e saia do orkut.



*repetir mantricamente para si mesmo todo dia de manhã*

terça-feira, 22 de julho de 2008

A Parede (I)

A parede era roxa, concreta, alta, real, real, real, E me olhava, sem olhos. Me olhava concreto, concretamente.

- Pai?

- Ã?

- O que essa parede está fazendo aqui?

- Não sei. Pergunta pra sua mãe, ela que deve ter mandado botar.

Bati uma, duas vezes na parede. Bati uma terceira. Nada. Aliás, tudo: ela continuava ali, dividindo meu quarto ao meio, exceto por uma abertura retangular de um metro e pouco de altura e não mais do que um de largura. Soberana, me dizendo no seu silêncio sonoro:

- Oi. Eu não vou a lugar algum.

- Marilene!

- Oi menina, que foi, que susto!

- Quê que essa parede está fazendo aqui?

- Ih, menina, não sei. Seu pai não mandou colocar?

- Ele falou que deve ter sido minha mãe.

- Então. Pergunta pra ela. Daqui a pouco ela deve estar chegando.

- Ela foi ao supermercado?

- Ta na sua tia.

Não, mamãe respondeu pelo celular, ela não havia colocado parede alguma no meu quarto. Agora meu espaço estava dividido, e minha primeira dúvida foi: mando derrubar?

Prós: Sujaria tudo. Eu poderia estar destruindo algo importante. A parede poderia ter algo a me dizer. Eu poderia ter algo a dizer pra à parede? Eu poderia alugar a subdivisão do quarto a algum recém-divorciado procurando por uma experiência exótica – ainda que essa última possibilidade pudesse ser a de mais difícil aceitação pelo restante da casa.

Contras: Manter a parede seria o mesmo que manter um bicho de origem desconhecida que surgisse repentinamente em minha casa. A parede não responde às minhas perguntas. Alguém muito magro podia estar vivendo dentro dela.

Eu nunca havia experimentado uma indecisão como aquela. Mais do que vou-não-vou, era um congelamento.

A solução era ignorar a parede e esperar que a resposta viesse. Eram oito e meia da manhã. Eu ia chegar no terceiro tempo, se corresse e saísse de casa despenteada. Era melhor fazer isso mesmo. Não podia ficar em casa a sós com aquela parede. Essas paredes, sorrateiras e quietinhas, têm uma incrível capacidade de impor sua presença e falar, muitas línguas, todas elas.

- Maraá! Maraá!

Estela falava babando; mesmo com os anos de uso, tinha se adaptado mal e porcamente ao seu aparelho fixo. Desde a segunda série do Ensino Fundamental, isso. Por que eu virara sua amiga, exatamente? Acho que todas as outras crianças, mais divertidas e lustrosas, me intimidavam com sua espontaneidade e aparente falta de medo. Arroubos pela sala de aula, explosões nos intervalos. Fui então escolher uma amiga que não me apresentasse ameaça. Que, como eu, tivesse medo. Quem mais, se não a menina babona. Agora evoluída. De rios de saliva, Estela chegara a parcos perdigotos.

Isso, é lógico, é uma racionalização posterior. Satisfez meu psicólogo. Não faço meia idéia do que pensei na segunda série. Vai ver me sentei ao seu lado porque o menino hiperativo, com déficit de atenção e estrabismo resolveu naquele dia sentar-se na carteira que fora minha no ano anterior. Ou vai ver nada.

- Maraá, você conseguiu imprimir nosso trabalho?

Tirei o trabalho da minha pasta e vi o corpo de Estela descontrair-se todo. Ela até que era bonita, a Estela. Falava babando, mais jamais trairia um amigo pelas costas. Era uma daquelas pessoas, sabe. Que são mais por dentro do que por fora.

Aqui o mundo fluía, rotineiro, como no dia anterior e anterior. Na frente da sala, um homem falava, cansado de guerra, os olhos opacos. Lá atrás um rebuliço de vozes cochichava, julgando-se imperceptíveis. À frente, alguns poucos sofredores, o amortemor aos pais e as horas livres de cada dia impelindo-os mais e mais para frente, até quase comprimirem o magro mestre contra a parede com suas carteiras assoladoras.

Lá em casa, uma parede. Pura e simplesmente, roxa, no meio do quarto. Que nada mudava no fluxo dos dias, aparentemente. O sinal tocou, o recreio esvaziou a sala.

- Professor, eu tenho uma dúvida.

- Sim?

- Apareceu uma parede roxa. No meio do meu quarto.

- Uma parede?

- Roxa. No meio do meu quarto. O que você acha disso?

- Mas apareceu como?

- Apareceu do nada, no meio do meu quarto.

- Exatamente no meio?

- Olha, eu não medi. Mas olhando assim, por alto, parece estar dividindo ele ao meio sim.

- E tem porta?

- Tem. Pequena, como se fosse de um anão. Mas dá para passar agachado.

O professor suspirou, coçou o queixo. Limpou os óculos. Mordeu o lábio inferior. Olhou para o nada, olhou para baixo. Olhou para mim.

- Honestamente, Maraá, eu não sei. Me parece bem confuso isso. Mas olha pelo lado positivo: pelo menos ela tem dois lados. Dá para você ter dois quartos. Você pode até tentar ser duas pessoas.

- Eu não acho que dois quartos fazem de mim duas pessoas.

- Mas podem fazer alguma diferença.

- Acho que eu estou satisfeita sendo só uma pessoa.

- Ah é? Que bom. Que bom mesmo. Eu não estou não, sabe. Deve ser porque ensinar um monte de merda prum bando de merdinhas tirou toda a minha energia vital, e eu mal sou uma pessoa só.

Outra parede, que eu não esperava, dividiu meu espaço ao meio. Não sabia de onde a parede tinha vindo, mas já pude notar que ela tinha como conseqüência me manter acordada.

domingo, 20 de julho de 2008

- Por que essa seriedade?

Imagine um... planeta. Em que nasce uma árvore de jujubas falantes, com pés na cabeças e granadas na mão.

O que não tem nexo, o que não tem lei. Ele, O Coringa, é isso, extrapolado, potencializado, virado ao avesso e desvirado. Seus maiores medos, sejam quais for, tem a cara dele, porque o Medo é sempre uma quebra da rotina. Seus planos e crenças só tem valor até que alguém aperte um botão vermelho, é o que ele vem te lembrar. Qualquer valor é maleável e discutível nas mãos de quem nada tem a perder e nada deseja ganhar.

Ele ri porque ele é o Nada último, e você nada pode fazer sobre isso.

Jack Nicholson foi um Coringa estiloso, admito, mas ainda assim Jack Nicholson. Deve ser porque ele tem demais de si mesmo em si mesmo e olhamos para a tela e vemos Nicholson fazer um bom Coringa, ponto. O Heath Ledger não (que Sei Lá o Quê o tenha), ele não tinha nada de si em si: vestiu o Nada de um legítimo Coringa e ultrapassou os limites do caos e do niilismo.

Você não pode viver com ele, o Coringa; mas não pode viver sem ele, sem algo para te lembrar que você e o Seu Mundo valem tanto quanto a sanidade permitirem. Você não consegue viver com o Coringa, mas não conseguiria matá-lo nem que pudesse.