quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Sempre se é novo quando se morre

Um prato típico, cachaça, churrasco, vinagrete, coisa toda a toa, homenagem boba pr’ajudar campanha, que pega criança no colo e beija, sorri criança no colo e beija, come a comida da Tia Marlene, A boca espumada mais tarde viria a mostrar , laudo pericial na mão do médico, envenenamento, as lágrimas nos olhos verdes pelo rosto vermelho, corridas nos espaços calmos da casa, oi, oi, meus pêsames, e a polícia, os outros parentes, trancada no quarto com o filho, cemitério, mais lágrimas e clima cinzento escuro tristeza ignorando o sol batendo forte no rosto de cada um, ela chora desesperadamente, avó com filho , segura, e aperta , e ele era tão novo, era tão novo (40 anos), e tinha tanto futuro pela frente, os jornais noticiaram a morte e até um especial televisão carreira política louvação que o colocava definitivamente na história, Mãe, papai foi pro céu? Acho que sim querido, foi sim.

Sempre se é novo quando se morre.

Acreditava pouco nessas coisas quando sóbrio, mas foi só a garganta apertar, o braço começar a tremer, perder o controle do corpo que veio, veio esse medo intransigente de quem sabe que está a beira da morte, medo , pavor, e a lembrança da prima de doze anos dormindo enquanto subia em sua cama, uma criança grávida de outra e o aborto forçado, o feto morto nas mãos do médico, nas mãos da prima, seu rosto morto nas mãos da prima, doendo uma dor agonia no peito que era pior que a morte, essa dor agonia medo que era o seu corpo fetal num pote de laboratório, um medo terror, dor, angustia, medo de não se sabe bem o que que não tinha mais razão só culpa, uma culpa tão profunda que quem me lê agora até acredita que tenha sido seu único pecado.

De todos os pecados só se arrependeu de um, dois segundos depois a paz. O dinheiro desviado das merendas escolares, das ambulâncias superfaturadas, nada disso. Correu pela calçada descalço do pé e da alma, chegou na jabuticabeira que escalava na sua infância, subiu no galho mais alto e sentiu uma sensação de liberdade que havia esquecido faz tempo.. Depois disso, paz. E Paz é igual a vazio

Tia Marlene desapareceu, assassina de aluguel, deu na TV, treze assassinatos, eram todos políticos, todos corruptos, como se assim fosse mudar alguma coisa, o filho pergunta para onde estão indo, marido é preso e ninguém fica sabendo, dois assaltos a banco e uma joalheria, sinto falta do papai, a imprensa faz questão de ignorar, sinto falta da nossa casa, mais dois políticos mortos, um empresário, Mamãe ainda vai resolver isso querido, ainda vai. Ela nunca cumpriu a promessa. Morreu aos 53 anos com dois tiros na testa. Havia cinco pessoas em seu enterro.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Sobre a morte de Estrelas


Maria demorou um pouco a perceber, a pequena julia tinha as bochechas grandes de mais. O Pai disse que aquilo não era normal. Não era para ela ter bochechas assim, precisavam levá-la ao médico. As palavras do médico não foram confortantes. Julia tinha um linfoma grave que atingia o rosto e pescoço, morreria em 3 meses. No dia 3 de maio de 2009 morreu. No dia 4 a mãe se jogou do prédio com o bebê morto no colo. No dia 6 o pai deu um tiro na cabeça. Dar os detalhes seria covardia. O céu continuou azul e a grama continuou verde. As crianças não pararam de brincar de pique-e-pega na escola. Porém, uma estrela a 123 milhões de anos luz de distância parou de brilhar no céu essa noite. Fechei os olhos e pensei na vida e na existência. Chorei como nunca havia chorado, mesmo sabendo que as estrelas nunca param de brilhar de verdade, mesmo sabendo que chorar é só um modo de tentar expressar o inexpressável....

domingo, 25 de janeiro de 2009

Bolinha de Sabão

Ela olhou para mim. e ela era um sorriso. e eu era um sorriso. e éramos tão sorriso juntos que até mostrava os dentes, e ficávamos assim cheios de vergonha. retorcia a boca. tentava disfarçar. mordia o lábio. ela era tão bonita, uma boneca de porcelana, era tão bonitinha. a coisa mais linda que já vi. do meu lado cochichou no ouvido bolinhas de sabão. fez cosquinha. e ria, e era sorriso e dentes, que nem ligava de mostrar o aparelho. e eu nem ligava de mostrar o meu coração. perguntou se era isso que chamavam de amor. disse que não, disse que amor era coisa de gente chata, desesperada - amor é uma faca de cozinha na mão apontada contra alguém ou contra si mesmo - o sorriso apagou - isso que tínhamos era o que ninguém chamava, porque ninguém tinha, era só nosso. chamar de amor seria comparar com o resto do mundo; sorriu de novo. ela era o meu sorriso. éramos o sorriso um do outro. construiria um universo inteiro para guardar esse momento | A felicidade consistia em três quartos d'água e um de detergente. a felicidade eram as bolinhas de sabão que cochichávamos nos ouvidos um do outro. e ela reclamava que fazia cosquinha. e eu mordia fraco a orelha e grunhia feito um monstrinho. eu era um gremilin - gruuaha; -era um gremilin cheio de doces à meia-noite. mordia a bochecha enquanto ela me prendia com suas bolinhas de sabão. te peguei; droga, te amo; não foi você que disse que não era amor?; é verdade, bleah, me pegou de novo; e eu fiquei sem graça. mais ainda quando daquele olhar cor de mamão. a gente tem que dar um nome; continuei sem graça. a gente tem que chamar de alguma coisa se não isso vai ficar se repetindo; fazia bico. sugeri isdruruchi. muito verde-musgo; mordi o seu nariz. mordeu o meu. ela era linda. olhou de canto pensativa. sorriu. já sei; me beijou toda prosa e cochichou no pé do ouvido que não tem pé: Voce é minha bolinha de sabão; fez cosquinha. cochichou de novo: e eu sou a sua; e tentei guardar aquilo num potinho de papelão que tinha no quarto. embrulhei com papel de presente e tinha cheiro de chocolate. chocolate com amêndoas. quis abrir e comer mas resisti. botei no alto da estante mais alta de todas as estantes da casa. tinha medo de perder. de acabar. botei no lugar mais alto possível para que não alcançasse nem se ficasse na ponta dos pés: e nunca mais consegui alcançar.