sábado, 21 de junho de 2008

Menina Feia

No meio da sala de aula uma menina feia, com aparelho nos dentes, um rosto esquisito, um rosto esquisito esse o dela, e os aparelhos. Ela me lembra minha ex-namorada, acho que se deve ao fato de que também a achava feia, digo da minha ex, ou talvez a cor do cabelo, as roupas, era assim que ela se vestia quando nos conhecemos. Era assim que ela se vestia quando nos conhecemos. Uma saia preta de bolinhas brancas, uma camisa bonita, uma bolsa de clacket de cinema, deve ter comprado no Luzes da Cidade. Minha ex-namorada trabalhou no Luzes da Cidade, me comprou alguns livros do Cortazar com desconto, à época era fã de Cortazar. Hoje eu não sei do que sou fã.

Cocorosie, eu acho. Não sei.

Passo por um momento sem fortes emoções. Me suícidei uma vez no ventilador de teto do meu quarto. Fiquei sufocando lá com 17 anos. Eu não sei que idade tenho hoje. 17 anos. 22. Não faz tanta diferença assim. Fugi das emoções para sobreviver aos ventiladores de teto e às cordas no pescoço. Não acho que tenha adiantado muito. Minha ex-namorada me apresentou as laminas de gillette. Meus braços aprenderam muito com elas. Alguém me disse que se cortar libera endorfina. Olhou pra mim e disse, Cara, é foda, tenta só. Eu tentei. Isso é coisa de idiota. Mas quando se é idiota você nem liga muito mais pro que está fazendo. É bom ser idiota de vez em quando. Existe um certo ar de superioridade em sê-lo. Um certo descaso à necessidade de agir assim ou assado.

O aparelho de dentes, acho que é o aparelho de dentes.

Quando tirar o aparelho talvez fique mais bonitinha. Ou talvez não, não sei. Ela realmente não é muito bonita. Se eu me apaixonasse, quem sabe? Funcionou com minha ex. Mas por que eu iria querer torná-la bonita? Foda-se ela. Olhou e sorriu para mim. Está dando mole. Obviamente me dando mole. Deve adorar flertar com desconhecidos. Feia assim, será que consegue algo? Minha ex conseguia. Consegue. Ela sorri com o aparelho. Feia. Tem até um corpo bonito. Deve ser assim que faz. Homens estão sempre em busca de uma foda. Minha ex sabia muito bem, mesmo que inconscientemente, se utilizar dessa característica para conseguir as suas trepadas. Vou parar de sorrir que não estou para mulheres feias essa semana.

Eu me sinto um babaca. Eu sinto que as coisas acontecem e eu vou tomando posturas babacas só pra não ter que pensar. Às vezes para não ser igual aos outros. Às vezes para ser. Eu devia prestar mais atenção nas aulas, ao menos fingiria que isso tudo aqui tem algum sentido para além das cordas e ventiladores de teto. A menina feia ainda está querendo flertar. Eu não quero. Não quero mais uma namorada feia para destruir meu coração. Estou hoje vencido. Como se não tivesse mais par com as coisas. Como se não fosse já muito triste na minha pequenez, que eu ainda precisasse ficar aqui me embriagando em citações internas para tentar avivar catarses e sentimentos alheios.

Nas aulas desse semestre. Exceto o fato da menina feia. O pouco que me tira da cama é a minha Professora de Civil.

Ela lembra a minha mãe, em certo ponto. Froid explica. Eu casaria com minha Professora de Civil. Faria sexo com ela. E cuidaria da sua filha de oito anos como se pai fosse. A filha dela é linda. Parece a mãe. Queria ser pai. A turma está em volta da professora para pegar as notas e a menininha ficou na porta esperando, com o uniforme do colégio e o rostinho bonito brincando com a alça da mochila, as rodinhas para frente e para trás. Eu paro ao lado da porta esperando minha ex-namorada sair. As pessoas vão saindo da sala e não falo com ninguém. Não os conheço o suficiente para receber um oi. Quando era pequeno eu dava um oi para qualquer um que visse da minha idade, e era retribuido e ficávamos super amigos e jogávamos taco e brincávamos de polícia e ladrão. Hoje. A filha da professora olhou pra mim e perguntou toda pequena como as crianças adoram ser. Você está fazendo o que? Pensei em chamá-la para brincar de pique , mas minhas pernas são grandes e ela nunca me alcançaria. Espero uma amiga. Ela entra na sala e volta. Só têm uma menina na sala de aula. Deve ser ela. Eu dou um sorriso. Olho para sala. Viu, não disse, ela mesma. É sua namorada? Não.

Oi. Oi. Ta afim de sair pra beber? Hã? Não sei nem o seu nome, cara. Guilherme, e o seu? Julia, prazer. Professora, sua filha é a coisa mais linda do mundo. Parece com a mãe. Parece sim. Eu me casaria com minha professora. Adoro a Patricia. Ela é a melhor professora da faculdade. É sim. Mas, então, Topa sair? Assim, do nada?É! Desculpa, cara, mas eu não bebo, fica pruma próxima. Então tá, foda-se. Lembra minha ex, mas não é. Não bebe. É feia. Feia pra caralho e me deu um fora. Essas meninas feias só existem para destruir meu coração. Nota mental, nunca mais flertar com feias. Devia flertar com minha profesora. Ela é casada. Nunca me daria bola. Acho que vou parar de flertar. As laminas de barbear ainda estão no banheiro. O ventilador de teto e a corda ainda estão no quarto. Eu morri com 17 anos. Balançava como um pendulo oscilando sutilmente sobre a cadeira tombada no piso de madeira.

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